O que é?
Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES)
é uma doença inflamatória de causa desconhecida.
Para que se desencadeie a doença,
agentes externos desconhecidos (vírus, bactérias, agentes químicos, radiação
ultravioleta) entram em contato com o sistema imune de um indivíduo que está
com vários genes erradamente induzindo produção inadequada de anticorpos. Estes
anticorpos são dirigidos contra constituintes normais (auto-anticorpos)
provocando lesões nos tecidos e também alterações nas células sanguíneas.
É uma doença razoavelmente comum
no consultório dos reumatologistas. Melhor conhecimento médico e avanço em
métodos diagnósticos devem ser os motivos pelos quais o LES tem sido
diagnosticado com mais freqüência e seu prognóstico é muito melhor do que há 15
anos atrás. Atinge principalmente mulheres (9:1) em idade reprodutiva,
iniciando-se mais comumente entre 20 e 40 anos. Pode ser bastante benigno até
extremamente grave e fatal.
O que se sente?
As manifestações clínicas são muito
variáveis entre os pacientes. As queixas gerais mais freqüentes são mal-estar,
febre, fadiga, emagrecimento e falta de apetite, as quais podem anteceder
outras alterações por semanas ou meses. Os pacientes já poderão estar sentindo
dor articular ou muscular leve e apresentando manchas vermelhas na pele que
passam por urticária. As alterações mais freqüentes ocorrem na pele e
articulações.
Pele e mucosas
Há muitos tipos de lesão cutânea
no LES. A mais conhecida é a lesão em asa de borboleta que é um eritema elevado
atingindo bochechas e dorso do nariz. Manchas eritematosas planas ou elevadas
podem aparecer em qualquer parte do corpo.
Muitos pacientes com LES têm sensibilidade ao sol (foto-sensibilidade).
Assim, estas manchas podem ser proeminentes ou unicamente localizadas em áreas
expostas à luz solar. Outras vezes, as lesões são mais profundas e deixam
cicatriz (Lúpus discóide). Começam com uma escamação sobre a mancha
eritematosa. Com o passar do tempo a zona central atrofia e a pele perde a cor,
ficando uma cicatriz que pode ser bastante desagradável.
Há casos de lúpus discóide em que
nunca haverá outros problemas, isto é, não haverá lúpus sistêmico. Estes
pacientes devem ser seguidos com atenção pois não há como acompanhar a evolução
sem exame físico e laboratorial.
Queda de cabelo é muito
freqüente. Os fios caem em chumaços e muitos são encontrados no travesseiro. É
sinal de doença ativa. Apesar de não serem freqüentes, são úteis para o
diagnóstico o aparecimento de feridas dentro do nariz, na língua e na mucosa
oral.
Aparelho locomotor
A grande maioria dos pacientes
tem artrite. Esta costuma ser leve e melhorar rapidamente com tratamento.
Entretanto, há poucos casos em que aparecem lesões destrutivas que podem ser
bastante graves. O uso de corticóide por longo tempo (que muitas vezes é
indispensável) pode provocar, em cerca de 5% dos pacientes, necrose em
extremidade de ossos longos, principalmente fêmur. Tendinites ocorrem com
freqüência e podem acompanhar as crises de artrite ou se manifestarem
isoladamente. Regiões não habituais como tendão de Aquiles podem incomodar por
bastante tempo. Poucas vezes há lesões graves. Lúpus crônico pode provocar deformidades nas mãos que lembram
artrite reumatóide.
Miosite (inflamação das fibras musculares) não é um evento comum,
mas pode ser grave e confundir com outras doenças musculares. Dor muscular
discreta pode ocorrer e não é preocupante.
Rins
É muito freqüente haver
glomerulonefrite lúpica. Felizmente, a maioria dos pacientes sofre de lesões
leves e não progressivas, sendo sua única evidência discretas alterações no
exame de urina, ou apresentam lesão renal que responde muito bem ao tratamento.
Quando há proteínas, hemácias, leucócitos e vários tipos de cilindros no exame
de urina e aumento da creatinina no sangue estamos diante de uma situação grave
mas de modo algum sem solução. O aumento da pressão arterial é indicativo de
gravidade.
Sistema nervoso
Raízes nervosas periféricas e
sistema nervoso central (SNC) em conjunto estão comprometidos em mais da metade
dos pacientes com LES. Dor de cabeça, mais do tipo enxaqueca, é a manifestação
mais comum quando há inflamação do sistema nervoso central. Como é uma queixa
muito freqüente na população normal, muitas vezes não é valorizada.
Não raramente outras manifestações que podem aparecer são:
Neurite periférica (ardência, formigamento, queimação,
perda de força)
Distúrbios do
comportamento como irritabilidade, choro fácil, quadros mais graves de
depressão e mesmo psicose.
Convulsões (pode ser a
primeira manifestação em crianças).
Coréia (movimentos
involuntários e não coordenados de membros superiores e inferiores), muito mais
raro.
Há uma regra que deve ser seguida
obrigatoriamente em "neurolúpus": descartar a possibilidade de haver
infecção. Outro detalhe que deve ser observado é ansiedade e depressão que
ocorrem em pessoas com doença crônica (e que pode ser grave) e com problemas
estéticos provocados pela dermatite ou uso de corticóide.
O síndrome anti-fosfolípide pode
ser uma entidade isolada ou acompanhar o LES. Ocorrem trombos em veias e
artérias de qualquer tamanho, provocando embolias. A ocorrência de microtrombos
no cérebro provoca infartos pequenos com manifestações pouco observáveis de
início. Pode ser uma causa de grave repercussão do LES no SNC. Quando os
trombos se instalam na placenta são causa de abortamento.
Coração
Inflamação isolada da membrana
que envolve o coração (pericardite) não é rara e é facilmente resolvida. Lesões
graves em válvulas, inflamação do miocárdio e das coronárias não são
freqüentes. Palpitações, falta de ar e dor no precórdio são sinais de alerta.
Podem estar presentes desde o início da doença.
Pulmões
Mais da metade dos pacientes
sentem dor nas costas ou entre as costelas devido à inflamação da pleura.
Quando é leve, só aparece ao respirar fundo e a radiografia pode ser normal,
isto é, sem derrame. Piorando, a dor fica mais forte e a respiração mais
difícil e acompanhada de tosse seca. Também ocorrem inflamação nos alvéolos
(cuidado com infecção ao mesmo tempo) e nas artérias (raro e muito grave).
Vasos
É muito freqüente no LES os
pacientes estarem com mãos frias que, quando em contato com superfície gelada
ou quando a temperatura ambiente é baixa, passam de pálidas para roxas
(cianose) e por vezes com dor na ponta dos dedos. Chama-se fenômeno de Raynaud.
Pode ocorrer em pessoas que nunca terão a doença mas pode preceder por anos as
outras manifestações de LES ou outras doenças inflamatórias auto-imunes.
Inflamação de vasos chama-se vasculite. Dependendo da intensidade da inflamação
haverá de manchas eritematosas até pontos de gangrena na região irrigada pelos
vasos comprometidos.
Olhos
Conjuntivite ou outras
manifestações são pouco comuns. Uma complicação grave são trombos no fundo do olho
na presença de síndrome antifosfolípide.
Aparelho digestivo
Complicações graves são muito
raras. Os medicamentos são a causa mais freqüente das queixas tipo azia, dor
abdominal e falta de apetite. Em poucos pacientes aumentam as enzimas
hepáticas, mostrando haver inflamação no fígado. Nesta situação, deve-se sempre
descartar a concomitância de duas doenças e procurar infecção viral.
Sangue
Anemia leve é muito comum e é
controlada com o tratamento habitual da doença. Piora em pacientes mais graves e
quando há insuficiência renal. Anticorpos dirigidos diretamente contra glóbulos
vermelhos podem ser de difícil controle; ocorre em menos de 20% mas pode ser
uma forma de início do LES e, como o tratamento com corticóide em dose alta
mascara outras manifestações, o diagnóstico pode não ser percebido. Pode haver
queda importante de glóbulos brancos (risco de infecção) e de plaquetas (risco
de sangramento).
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico do LES é feito
através da associação de dados clínicos e laboratoriais. O médico precisa
lembrar-se do lúpus e há algumas pistas que auxiliam bastante mesmo quando as
manifestações clínicas são pobres. Mulher em fase de reprodução (crianças e
mulheres depois da menopausa também têm lúpus) com dor articular, sensação de
estar doente, emagrecimento, "urticárias" de repetição, queda de
cabelo, fenômeno de Raynaud, exames antigos com alterações tipo glóbulos
brancos baixos, alterações na urina, anemia não explicada podem ser
manifestações de início da doença.
A pesquisa dos anti-anticorpos é
utilizada para diagnóstico e alguns deles para acompanhamento da doença:
FAN (fator antinuclear) é
o mais freqüente.
Anti-dsDNA
é sinal de doença ativa e geralmente com doença renal.
Anti-Sm
não é muito freqüente mas, quando presente, confirma o diagnóstico.
A utilização clínica da presença
destes auto-anticorpos e de vários outros é extremamente útil. Deve ser feita
pelo reumatologista, pois, não são específicos, isto é, aparecem em mais de uma
doença e a combinação da presença de um ou mais auto-anticorpos com a clínica é
que permite que se chegue a um diagnóstico.
Na tabela a seguir estão os
critérios do Colégio Americano de Reumatologia de 1982 modificados. Deve ser
utilizada por médicos.
1. Erupção malar: Eritema fixo plano ou elevado sobre as regiões
malares e dorso do nariz.
2. Lesão discóide: Placas
eritematosas com escamação aderente, comprometimento dos pelos e cicatrização
com atrofia.
3. Foto-sensibilidade: Erupção
cutânea que aparece após exposição à luz solar.
4. Úlceras orais: Ulceração
de nasofaringe ou boca vista por médico.
5. Artrite: Não erosiva
comprometendo duas ou mais articulações periféricas.
6. Serosite: Pleurite
documentada por médico; pericardite documentada por ECG ou médico.
7. Desordem renal: Proteína
na urina maior do que 500mg por dia ou +++ em exame comum; cilindros de
hemácias, granulosos, tubulares ou mistos.
8. Desordem neurológica: Convulsões
ou psicose na ausência de outra causa.
9. Desordens hematológicas: Anemia
hemolítica, menos de 4000 leucócitos/mm3 em 2 ou mais ocasiões, menos de 1500
linfócitos/mm3 em 2 ou mais ocasiões, menos de 100.000 plaquetas/mm3 na
ausência de outra causa.
10. Desordens imunológicas: Anti-DNA
positivo ou anti-Sm positivo ou falso teste positivo para lues (sífilis) por
mais de 6 meses com FTA-ABS normal.
11. FAN positivo: Na
ausência de uso das drogas que podem induzir lúpus.
Para que se faça diagnóstico de
lúpus são necessários quatro critérios ou mais. Para utilizarmos pacientes em
um trabalho de pesquisa devemos seguir à risca a soma dos critérios. Na
prática, se tivermos dois ou três critérios "fortes" como artrite,
dermatite e FAN e não encontrarmos outra doença fazemos o diagnóstico e
tratamos pois tratamento eficaz e precoce sempre leva a melhor prognóstico.
Como é o tratamento?
Mesmo havendo protocolos
internacionais para o tratamento de doenças complexas como o LES, cada paciente
tem a sua história. Sabemos qual o melhor medicamento para cerebrite, nefrite,
dermatite, mas os resultados são individuais. O tratamento do lúpus não é um
esquema pronto para ser executado e as características de cada caso ditarão o
que se deve fazer, tornando-o artesanal. Os medicamentos utilizados podem
provocar efeitos colaterais importantes e devem ser manejados por profissionais
experientes.
Os pacientes devem estar alertas
para os sintomas da doença e para as complicações que, embora raras, podem
aparecer. Se forem prontamente manejadas é muito mais fácil solucioná-las.
Naturalmente, não é nossa intenção instruir o tratamento do LES. Este deve ser
feito por médicos experientes e os pacientes não devem modificá-los sem
orientação.
Perguntas que você pode fazer ao seu médico
A doença tem cura?
Qual a finalidade do tratamento?
O tratamento é esta receita
somente ou devo repetí-la?
Há interferência com outros
remédios que estou usando?
Quais os efeitos colaterias? Devo
fazer exames de controle?
Existem problemas com obesidade?
Qual a importância de exercícios
e repouso?
Que cuidados devo ter com meus
hábitos diários, profissionais e de lazer?
Existem problemas com o uso de
anticoncepcionais? Com gravidez?
Existem problemas com exposição
ao sol e luz fluorescente?